quarta-feira, 21 de julho de 2010

Nunca mais

Ela vinha pra mim como um apelo, mãos abertas, olhos quase secos, respiração ofegante e saliva molhada nos lábios. Ela não dizia nada, nem perguntava. Apenas dançava heroicamente no meio do salão vazio. Olhava para as paredes manchadas de vinho e cinzas de cigarro, fingindo cumprimentar pessoas, com gestos pequenos da própria cabeça. Eu esperava minha vodca evaporar para partir, afinal, as únicas coisas que ali estavam era serpentina pisoteada e copos de plástico inundando o suor do chão. Mas havia alguma coisa ali, naquele circulo de voltas que ela dava, com a música já baixinha dizendo: - Tá na hora pessoal, a festa já virou quarta feira de cinzas! Ela sorria e ao mesmo tempo balbuciava algo da música que não lembro agora. De beleza ela não era completa, era magra e sem gracinha como muitos dizem, o cabelo aquelas horas não dava pra julgar, pois, qualquer que tenha sido o seu penteado já havia sido tomado pela reveria de coisas que as pessoas costumam jogar do salão de cima. Apenas para sacanear quem no de baixo esta. Aí está a nossa política: enquanto os de cima jogam trapos, os de baixo servem-se deles como flores em suas cabeças. Mas voltando a bailarina feinha, ela não parecia se importar com sua aparência, ali estava apenas eu, alguns garçons de cara amarrada e ela com seus tantos pensamentos e alegrias que tentava informar às cadeiras debruçadas sobre as mesas. Depois de um certo tempo admirando a falta de beleza e a dúvida sem explicação da moça, resolvi olhar o relógio, já se passava muito da hora de dormir, e lembrando que já não seria feriado neste outro dia presente, preocupei-me com o meu dia de amanhã e nisso, preocupei-me com dia de amanhã dela. Pus-me a pensar, será que ela trabalha? Estuda, quem sabe? Filhos? Marido? Não, marido não. Nenhum marido a deixaria dançar até aquela hora sozinha e desvairada no meio do salão. Não que ela parecera ser vulgar ou que tentasse algum tipo de sedução, como eu já havia dito, não há nada de muito interessante que desperte algum desejo. Eu continuava, numa fuga de perguntas para não sair de lá. Eu não tinha sono e talvez tenha sido por isso que me encorajei a ficar tanto, sentado a olhar o que me confundia. Pensei em chamá-la para conversar, falar com alguém, afinal entre mortos e feridos sobraram apenas ela e eu. Mas, poucos dias atrás uma amiga próxima me disse que tenho cara de tarado e que sempre que chego para conversar com uma moça, parece que quero comê-la. Tive medo de afugentar a moça e continuei lá sentado, com as nádegas dormentes e as costas doloridas. Me revirei na cadeira, e resolvi pedir mais uma dose de vodca, mas o bar já havia fechado e os garçons deram indiretas para que eu me retirasse. Então disse que iria acabar meu copo e seguir meu rumo. Agora estava eu, ela, os chatos e a vodca tomando conta do meu tempo de festa como uma mãe. Ali estava eu: filho de uma vodca. Ficava fingindo beber, molhava os lábios e gastava minha saliva neles. E ela? Não bebe? Como pode dançar tanto sem parar e não tomar nem água? Quando menos esperei, a música parou. Todos ficamos apreensivos: eu, garçons, as cadeiras, todos, naquele momento me senti como num jogo do Brasil esperando a cobrança do pênalti. Ali estavam todos a espera de qual seria a reação da menina bailante. Naquele momento todos éramos cúmplice de algum tipo de crime e nesse minuto viramos amigos sem saber. Quase que entranhados com suas mandingas na mão e esperando o momento de gritar gol,e nos abraçarmos felizes. Foi então que ela parou. Se dirigiu até uma cadeira, pegou um casaco, a bolsa e se foi. Sem dizer nada, nem bom dia ou boa noite, nem obrigada nada. Um silêncio tomou conta do salão e eu desesperado queria sair dali e correr atrás daquelazinha. Mas dizer o que? Porque parou de dançar? Porque dançou? Quem é você? O que? E não conseguia parar de pensar que tenho cara de tardo. E também, como já mencionei antes ela não tinha nada que me chamasse atenção. Ela apenas estava dançando em círculos, com seus cabelos repletos de flores, sorrindo para o nada, fingindo brincar com as paredes, dançava lindamente como um corpo nu no espaço. Era tão leve que parecia um anjo voando entre as mesas. Magrinha daquele jeito dava vontade de proteger. Era linda aquela dança e tão linda era ela que descobri que havia me apaixonado. Doidamente estava eu olhando as ruas e pensando:- onde está a minha doce bailarina? Nunca mais a vi.

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